quinta-feira, 1 de julho de 2010

Editorial 01


Sobre um número que se pronuncia ao longo de um encontro com a arte, há, na verdade, o desafio de se encontrar nas entrelinhas a mensagem. Essa mensagem construiu-se a partir de uma fusão de discursos e experimentações. Sair à rua e encontrar o interdito é a proposta que fazemos.

Desenvolvimento:

Sentindo o vento na cara trazido pela passagem dos trausentes no passeio, penso em como será o meu dia. Penso em ti e nas frequências para as quais tenho de estudar, dois pólos que quase chocam, visto que me desvias a atenção toda para ti com aquele teu sorriso infantil e ridículo de criança. Isso irrita-me, mas acho adorável, é teu.
Adoro quando encaixas a tua testa por baixo do meu maxilar, assim posso proteger-te, agarrar-te com força para que não te vás embora nunca, para que possas correr nas minhas veias para sempre, mas todas as minhas forças se vão com o toque dos teus dedos sob a minha pele, miúda estúpida, não sabes que te quero para toda a eternidade? Não me contraries assim, não me faças mal e não me dês um desses teus sorrisos, não me provoques por favor, não sabes tu que te tenho pouca resistência? Porque insistes?
Levanto-me do meu banco e aí estás tu no meio da multidão, imóvel numa posição inocente que me desperta aquele calor, quieta esperas pela alma que tens cativa nos teus olhos... Vá lá querida, não me olhes assim, ainda me perco...



por Cláudia Pardelha

(sem título)

No mesmo restaurante de sempre lá estava a placa com indicação de reserva da mesa.
Numa ilha, com uma área geográfica muito extensa, que não se perdia de vista apenas porque o território se apresentava plano. Uma única montanha constituía o limite visual que definia o horizonte e o fim da ilha.
Nenhum dos habitantes tinha sentimentos, nem nunca imaginara o que poderiam ser, a única coisa que faziam era respeitar a ordem natural daquele lugar, nunca nenhum deles tinha alterado nem por um milímetro a rota pré-definida da sua conduta.
Não existia a noção de tempo, por isso nunca se fartam de esperar, nem sequer esperavam por nada, nunca desejavam que o tempo parasse, não pensavam no passado nem projectavam o futuro.
Havia quatro de cada cor e, a regra ditava que irmãos não teriam filhos. Estava definido que só entre a mesma cor poderiam procriar. Cada casal poderia ter apenas dois filhos, e seria um de cada sexo. Os filhos do casal da rua de cima iriam procriar com os filhos do casal da rua de baixo. Cada novo casal, viveria em casa dos pais da filha, e assim com os seus descendentes se passaria o mesmo.
Na etapa quinze dos procedimentos da conduta definida, os filhos da casa de baixo encontravam-se com os filhos da casa de cima, no restaurante com mesa marcada para tal.
Sairiam do restaurante na etapa dezasseis e continuariam até à etapa vinte onde teriam filhos.
A mesa do restaurante ficava automaticamente reservada para os seus filhos.
Ninguém tinha um nome, uma idade, uma roupa, nem pele, nem sentimentos, nem sequer sentidos, tinham apenas uma conduta.
A conduta nunca permitia que qualquer erro pudesse acontecer, os filhos dos pais da casa cima nunca iam para a casa de baixo, a não ser o filho na respectiva etapa.
Como o funcionamento de um relógio, em que a hora só passa ao fim de sessenta minutos. Quando havia uma mudança, era mecanizada.
Como se houvesse um carril de comboio onde fosse impossível descarrilar. A conduta era simplesmente inquebrável, a conduta não permitia erros, nem sequer existia o erro.
Durante o Verão, todos os dias, o quarto filho e a filha mais nova do casal Alves viram aqueles desenhos-animados.
Estavam quase a começar os dias de Inverno quando os dois irmãos disseram aos pais que estavam exaustos de ver sempre a mesma coisa e, que não percebiam porque é que se tinham fartado de algo que outrora adoravam, pois nada, mas rigorosamente nada tinha mudado naqueles desenhos-animados.
Foram ao restaurante de sempre jantar, a mesa estava pronta. Uma toalha simples, com um vermelho escuro a dar-lhe cor, os bancos eram os mesmos de sempre, madeira em tronco cortado com formas planas e envernizada com um castanho escuro.
Ouviram música, comeram e, beberam um vinho velho com um paladar que não se poderia esquecer, era denso, uma cor escura e uniforme que não permitia ver o copo do outro lado, mas que se via de um lado ao outro, como uma peça única que é possível ver na sua totalidade sem ser pela percepção do limite do copo.
Trocaram alguns sorrisos quentes, muito íntimos, um ferver nos lábios roubava-lhes a vontade de se beijarem, como se o vinho os tivesse unido na embriaguez de serem um só.
¬- O que havemos de responder aos nossos filhos?
- Olha, estava aqui a pensar, e não percebo porque vimos sempre a este lugar.
- Ora, porque é especial.
- Mas quando nos conhecemos gostávamos de ir a tantos lugares diferentes, o que mudou?
- Não te recordas do tempo que passámos juntos, naquela tasca, todas as sextas, a que íamos com os nossos amigos quando ainda nem namorávamos?
- Lembro sim, mas acabámos por nos fartar.
- Não nos fartámos, só começámos a querer conhecer lugares diferentes.
- Isso foi desde que fomos passar aquele fim-de-semana a casa do meu primo, aquele lugar era inacreditável.
- Lembraste daquele lago cheio de flores amarelas em seu redor?
- Foi onde demos o nosso primeiro beijo.
- É verdade, foi… foi maravilhoso.
- Começámos a viajar a novos lugares e o teu beijo era sempre uma melodia harmoniosa e equilibrada, ainda hoje é.
- Então porque deixamos de viajar?
- Oh, sei lá, tivemos os meninos, tínhamos de ter tempo para eles.
- É verdade, mas também já não era preciso conhecermos mais lugar nenhum.
- Tudo, qualquer lugar se tornou perfeito só por estarmos juntos.
- Foi nessa altura que começámos a vir a este restaurante.
- Tornou-se simplesmente a nossa mesa.
- Sinto o calor do vinho entre as pernas.
- Jo…
- Boa noite meus Sr.’s a vossa conta por favor.
Saíram do restaurante e caminharam em linhas curvas até ao carro.
Com o que tinham bebido terem ido para o carro poderia ter saídas maravilhosas ou assustadoras. Podiam ter feito sexo, poderiam ter tido um acidente a caminho de casa, poderiam ter ficado sem bateria e o carro não ligar, poderiam ter simplesmente ido até casa e dormido.
A mulher do Sr. Ferreira desligou a televisão.
- Estou farta destas novelas, os miúdos a verem parvoíces na televisão e os pais em vez de conversarem com eles vão jantar fora.
- Ao menos podiam ter feito…
Alguém abriu a porta do restaurante e se dirigiu ao balcão dizendo que tinham uma reserva.
Sentaram-se e os donos do restaurante serviram o almoço.
Trocaram ideias sobre o negócio que tinham pendente, falaram de futebol e de mulheres.
Risadas, era o que se ouvia ecoar no restaurante.
O restaurante costumava encher assim que terminava a novela, mas naquele dia, à excepção dos homens de fato que reservaram a mesa para o almoço de terça para falarem de negócios fora do escritório, não havia mais ninguém.
- Mas que se passa hoje? Não vem mais ninguém?
- Tem paciência, ainda é cedo.
- Mas que livro é esse que estás a ler?
- É um romance meio estranho, cheio de rodeios.
- Então porque o lês?
- Para fazer tempo enquanto os nossos amigos não chegam.
- Mas tu nem gostas de ler, porque…
Suou a campainha. Era a vizinha do lado do casal Machado. Tinha ido levar-lhes um vinho que trouxera da casa de um primo e, que recomendava como algo a não perder.
Chegaram os amigos, as crianças foram dormir, provou-se o vinho e, no canto da sala, a Sra. Almeida segredou ao Sr. Costa, sem que os respectivos se apercebessem.
- Quinta-feira jantamos no restaurante do costume?
- Às nove?
- Nove e meia, eu reservo a nossa mesa.
O jantar terminou.
Nem queriam acreditar, o Sr. Almeida acabara de entrar e, olhou para eles como se fossem desconhecidos, com um fervor que tornou o vinho azedo na boca dos amantes.
Levantou-se o Sr. Costa a cumprimentar o Sr. Almeida mas foram interrompidos pelo empregado que se dirigiu ao Sr. Costa.
- Desculpe Sr. Costa mas não temos o licor que costumam beber.
Enquanto o empregado se dirigiu ao balcão, não passou nem meio minuto, mas foi o suficiente para os ânimos se exaltarem.
- Estão a brincar? O licor do costume?
- Isto não é o que está a pensar Sr. Almeida.
- É pois, isto é a vida real. Ou estarei a sonhar? É bem real. O Sr. devia ser uma máquina, não poder pensar, isso a si não lhe serve de nada mesmo.
Nunca ouviu falar em respeito?
E tu Andreia, Não dizes nada?
- Tu sabes que somos bons amigos, aliás, amigos desde crianças.
- Por isso é que são tão íntimos?
Quando levantou a mão ao Sr. Costa, a mulher gritou.
- Somos irmãos.
- Não… não estou a perceber, que história é essa?
- O nosso pai, encontrou a Andreia numa conduta da fábrica e tomou conta dela.
- Que história é essa da conduta?
O teu pai não tinha morrido?
- Pois é Sr. Almeida, sempre escondemos a história para não se criar uma má imagem da Andreia.
Ouviu-se um estrondo enorme à porta do restaurante. Foram todos a correr ver o que se passava.
Na azafama da confusão o Sr. Almeida nem se lembrou de perguntar pela mãe da sua esposa.
Uma semana depois, ainda atordoado com aquela história, o Sr. Almeida perguntou à mulher como era tudo aquilo possível se ela vivia com a sua mãe.
Andreia explicou-lhe que a mãe deles nunca tinha aceitado bem aquela adopção. Por isso a colega do seu pai na fábrica fora tomando progressivamente conta dela.
Assim que terminou o filme, o jovem casal saiu do cinema e foi almoçar ao restaurante onde era já habitual irem. A mesa estava reservada.
Ambos afirmaram ter tido um dia enfadonho e igual a todos os outros, o dia de trabalho tinha sido mais uma robótica rotina posta em prática.
Ninguém estava à espera.
À dez anos que lá iam, mas a verdade é que se levantaram, foram até à porta, acenderam um cigarro, e depois do desfrute tranquilo, trocaram um olhar cúmplice, um sorriso malandro e, começaram a correr. Tinham fugido sem pagar.


por Bruno Almendra

Maio, 2010

Herói

Quando olho para ti vejo o mundo… vejo tudo aquilo que gostaria de encontrar numa pessoa, a inteligência, maturidade, sabedoria, pacificidade… mas, tens o outro lado, aquele que me assusta. Os ombros curvados, a postura de quem muito passou na vida, de quem muito lutou e já não tem forças para mais e, de repente, vejo os teus olhos, aqueles que não vêem mas muito sentem.

Olhos… onde vejo o mar revoltado, onde passaram marés de alegria e felicidade, de solidariedade e compaixão. Mar que agora se encontra morto, já lá não passam ondas, já lá não vivem peixes. A única onde que lá mora é da tristeza e solidão.

Quando olhas para mim, ainda vejo o ligeiro brilho de vida, aquele brilho que me diz “amo-te”. Amor, aquele que não é falso e passageiro, amor que ninguém compreende e que poucos o sentiram, o puro… o que vem de tão fundo que nem sabemos onde o guardamos, o que não se esquece e precisa de ser relembrado, aquele que está sempre presente.

Tenho medo que o monstro da escuridão e da tristeza te roubem esse amor, amor que te pertence e que faz parte de todo o meu ser, que deu fruto e me fez cerscer… principalmente, que me faz acreditar que as pessoas ainda têm algo de puro.

Tenho saudades daquele sábio que me dizia coisas que eu não conhecia, que abria as portas do meu próprio mundo… que me mostrava o infinito do mar, simplesmente com o olhar.

Saudades… daquelas que todos os dias estão presentes, que todos os dias enchem a essência do meu ser.

Quando somos crianças e temos um herói, aquele que nos salva quando nos imaginamos princesas presas no castelo, quando nos afogamos a brincar no mar… tu sempre foste o meu, mas não porque me salvas-te, mas sim, porque me deste vida, por isso, gosto de pensar que és o meu herói da vida. Pessoa que raras pessoas têm, amigo que quase ninguém tem presente, companheiro que para os outros aparece de vez em quando, base que para os outros vai ao fundo, tu não, estás sempre presente!

Tenho medo que fujas de mim.


por ana mafalda

A vida é minha

Hoje em dia (ou se calhar foi sempre assim) parece que já não temos tanta vontade de sermos “independentes” – pensar por nós mesmos, agir de acordo com as nossas ideias e valores, estabelecer o que “eu sou” e “não sou”, dar voz às nossas vontades, gladiarmo-nos por aquilo que ainda não temos e queremos vir a ter... Parece que nos tornámos demasiado embonecados e plastificados (à excepção do nível mental) para sermos orginais e criativos – escolhemos sem dúvida aquilo que é das “massas” e muito pouco aquilo que é das “gentes”. Dizemos e sentimos que temos “tudo”, embora nos falte o fundamental: o gosto e o sentido de viver.
Há quem vá dizer que a culpa é da globalização. Ou melhor, a moda das massas agora é outra: a culpa é da crise. Portanto, quase todos nos descartamos da culpa do que quer que seja e, no entanto, a semi-verdade da realidade é que a crise tem sempre, pelo menos, um rosto humano como ponto de partida. E qual é este ponto? Somos nós mesmos.
Cada vez mais passamos a nossa vez de jogar – somos aliás péssimos jogadores de tão cautelosos, ambiciosos e medrosos que somos: vou então esperar para ver qual é a próxima jogada do meu vizinho, não vá ele ter uma carta mais alta do que a minha e levar-me os poucos tostões que tenho em cima da mesa. Passamos uma e outra vez, porque temos receio de perder o “pouco” que no fundo é um “nada”, bastante vazio por sinal. Isto aplica-se a todos os pensamentos e acções que temos, da (in)capacidade de partilharmos com o mundo aquilo que verdadeiramente somos, sentimos e pensamos – do medo que temos de pisar o palco e sermos actores principais desta grande peça teatral que é a vida – do medo que temos de pensar e agir por nós consoante aquilo que defendemos intrinsecamente.
É importante clarificar que o facto de sermos actores principais não implica que sejamos pretensiosos ou donos do mundo – não, somos todos actores principais sim no que diz respeito ao nosso papel, à nossa peça e à nossa vida. Se o meu “eu” vem apetrechado das mais belas e complexas capacidades, então por que vou guiar-me superficialmente pela capacidade dos outros? Ou mais objectivamente, por que vou escolho eu viver a vida que vejo os outros viverem? É o que acontece quando seguimos alguém por seguir, quando temos uma opinião baseada naquilo que outro alguém diz e quando ficamos sozinhos e sem voz - somos passivos e não activos, absorvemos os pensamentos e as acções dos outros (às vezes até usamos e abusamos delas). Ao fim e ao cabo, receamos o momento “stand up and fight for your rights”.
A vida acaba assim por nos passar ao lado, porque o bom de viver é realizar, construir, conhecer, sonhar... expandir a nossa mentalidade, expressar os nossos sentimentos, partilhar os nossos pensamentos...! Para tudo isto é preciso deixarmos de ser passivos. É preciso sabermos que temos um lugar na nossa própria vida e esse lugar é o de comando: se os outros escolhem e vivem por nós, é porque ainda desconhecemos que a vida pode e deve ser nossa!


por Vanessa Dias

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Editorial 00


Para escrever este editorial bastaria contar que, há quase um ano atrás, se reuniu um grupo de pessoas que tinham em comum o desejo de criar e partilhar um espaço de expressão. Daí nasceu a intenção de conceber um jornal em que os limites entre o leitor e o autor fossem realmente desafiados e em que se explorasse, tanto quanto possível, o indivíduo na sua totalidade. A forma que encontrámos para concretizá-lo foi desenvolvendo duas dimensões distintas, nas quais o indivíduo se revela não só como participante activo no seu meio, mas também como elemento de carácter único e singular.
É de realçar que, nos últimos anos, a existência periclitante do jornal, veio deixar uma lacuna no que respeita à intervenção e divulgação de ideias dos estudantes. Entendemos, então, como premente a criação de um meio que revelasse a identidade das pessoas cujo percurso passa por este espaço. Com o intuito de explorar várias perspectivas e discursos, pretendemos chegar não só a pontos de encontro de ideias e experiências individuais, como também à expressão e sentido crítico dos intervenientes no espaço escolar.
A rúbrica Café com... consiste numa entrevista cujo objectivo se prende com a intersecção de várias dimensões do entrevistado. Seria interessante para nós, sempre que possível, explorar os limites da obra e do criador, isto é, compreender de que forma uma se reflecte na outra. Esta foi considerada a razão central da entrevista e, tanto quanto esperamos, a motivação para as pessoas que gostávamos de trazer.
Um outro ponto de encontro surge com A Palavra Muda e a diversidade de discursos que aí se espera. A individualidade é aqui explorada de uma outra perspectiva, num espaço onde têm lugar as imagens mentais.
Relativamente ao Contexto e Pretexto, pretendeu-se criar, não só um espaço de informação e intervenção ao nível da política educativa, mas também um espaço no qual se possa pensar o Ensino Superior. A transversalidade entre um carácter informativo e um carácter mais reflexivo e intimista foi o objectivo afixado quer para este separador, quer para os Desassossegos. Este último considerado, desde o início, o mote do nosso jornal.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Colaborador Sai uma bica

Envia-nos a tua ficha de Colaborador para o e-mail saiumabica@gmail.com.


Ficha de COlaborador Sai uma bica


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(assinalar as opções com X):

Grupo de Informação

Notícias:

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Sugestões de eventos culturais e académicos:

Grupo de Design e Paginação:

Grupo de Fotografia:

Grupo de Revisão:


Outras____________________




A colaboração ao nível de entrega

de textos, fotografias, cartoons

e pintura deverá ser feita

através do e-mail saiumabica@gmail.com.




quarta-feira, 17 de março de 2010